O estudo aprofundado sobre os princípios fundamentais do SUS só fizeram-me reafirmar a direção do meu trabalho cotidiano, como psicóloga e gerente do Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS de Guaianases. Este modelo de saúde é um grande desafio, já que há inúmeros interesses envolvidos e muitos (des)entendimentos acerca da saúde.
Baptista (2007) afirma que Saúde:
“(...) É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida”. (p.49)
Desta forma a saúde é o resultado de diversos fatores determinantes e condicionantes, como bem descrevem a Lei Orgânica n. 8.080/901: alimentação, moradia, saneamento, educação, lazer, renda, dentre outros.
Foram muitos os avanços do SUS. Elencarei três deles:
1)A Saúde como um direito de todos e dever do Estado
Não é comum, no mundo, um país assumir para si a responsabilidade pela saúde de sua população e arcar com os custos.
No Brasil o compromisso do Estado em assumir a saúde como direito de todos e responsabilizar-se por promovê-la é em si mesmo revolucionário.
Historicamente, tanto no texto de Baptista (2007), como no texto de Cruz (2011) e no filme2 (1992), foi possível notar que o Estado pouco atuava na saúde e quando atuava era só parcialmente, através de Campanhas, que mais pareciam uma guerra, com atitude autoritária, os procedimentos eram feitos usando-se a força física e não o esclarecimento da população quanto aos procedimento utilizados. Como ocorreu na Revolta da Vacina3, em 1904.
A preocupação principal do Estado era com a manutenção da produção econômica que era inicialmente obtida nas colheitas agrícolas, como lavouras de café, e, posteriormente, das indústrias. Em conseqüência disto havia interesse na saúde dos trabalhadores para que continuassem produzindo.
No início do século XX, somente tinham acesso à saúde, as pessoas com bens ou privilégios, bem como os trabalhadores de algumas categorias como ferroviários e marítimos (CAIXAS). Após este momento foram criados os IAPS (Instituto de Aposentadoria e Pensões) todos os trabalhadores contribuíam para o Instituto e passaram a ter algum acesso. Havia discrepância na qualidade de saúde a que tinham direito as categorias.
Assim só eram cidadãos, com acesso à saúde, aqueles que fossem trabalhadores registrados, com contribuição ao IAPS, os demais seguimentos da população, que não faziam parte desta categoria, não tinham acesso a saúde.
Desta forma a Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, inclui todas as pessoas com direitos iguais, independente se trabalham ou tenham registro em carteira, independente da classe, cor ou credo. O Estado que antes tinha políticas populistas, com olhar só para os trabalhadores registrados, passou a ter que se responsabilizar pela saúde de todo o seu povo.
2)A Participação Popular no SUS
Este foi um outro importante avanço, já que a história do Brasil é uma história de minorias privilegiadas, que utilizam-se do poder da forma que lhes convém. Somos um país colonizado, explorado, como se o povo indígena, que aqui antes já habitava o território, não tivesse condições de cuidar de si próprio.
É verdade que a vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil também trouxe progressos, mas as decisões eram tomadas unilateralmente pela minorias no poder, sem ouvir ou sequer conhecer a realidade da maioria, do povo – com algumas exceções quando, por exemplo, categorias profissionais uniam-se para conseguir determinado benefício. E assim continuou acontecendo com o advento da República até o Golpe Militar em 1964.
Durante o regime militar as pessoas não só não eram ouvidas, como aquela que questionavam de alguma forma eram presas, torturadas e muitas foram mortas. Infelizmente até hoje há incidentes que não foram completamente esclarecidos.
Quanto à saúde, segundo Baptista (2007):
“(...) Durante todo o regime militar autoritário, o investimento na área de saúde pública foi precário, doenças antes erradicadas voltaram (...) saneamento e as políticas de habitação populares foram desprezados, aumentou a pobreza e, principalmente, a desigualdade social.”(p. 42)
Frente a esta situação crítica, por volta de 1970, teve início uma crise no governo militar, o que corroborou para uma certa abertura, na qual as vozes populares, antes caladas a força, começaram a se expressar e ocorreu expansão dos movimentos sociais.
Muitos intelectuais de diversas e importantes universidades do Brasil iniciaram um movimento sanitário, divulgando conhecimento acerca das condições de saúde, com críticas à política brasileira e reivindicando por mudanças assistenciais efetivas.
Estes movimentos foram crescendo e se fortalecendo com ápice em 1986 quando foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, que pela primeira vez na história do país teve a participação de representantes das comunidades, além dos intelectuais da Reforma Sanitária. Esta Conferência aprovou a Universalização da Saúde e o Controle Social efetivo das práticas de saúde.
A partir daí os movimentos sociais ganharam força, voz; de objetos de exploração de políticas anteriores passaram também a serem protagonistas no processo saúde-doença do qual fazem parte.
As vozes antes excluídas passam a ser ouvidas e a participar ativamente da construção da política do seu país.
Os movimentos sociais não somente foram muito importantes na formulação da reforma da saúde e formulação do SUS e seus princípios, como também tem a participação assegurada nos conselhos de saúde e conferências. Suas necessidades precisam ser ouvidas e elas também têm que ter acesso aos conhecimentos acerca do que é saúde e seus desdobramentos no processo saúde-doença. Os processos de decisão ficaram mais transparentes.
Hoje em meu cotidiano de trabalho ouço os usuários que freqüentam o serviço e que tem um espaço de poder de expressão de idéias, reclamações e necessidades através dos conselhos gestores de saúde, assegurados em nossa Constituição de 1988 e regulados na lei 8142/904.
3)Descentralização, com direção única do sistema
Relacionado a participação popular no SUS está o processo de descentralização, já que a população além de mais atuante está mais próxima das decisões de saúde de seu bairro, cidade, estado, etc.
Anteriormente, como já citado neste texto, as decisões eram centralizadas no poder federal. As decisões em geral ficavam muito distantes das necessidades das diversidades encontradas nos inúmeros municípios de nosso imenso território brasileiro. A população e até mesmo gestores estaduais e municipais não tinham as necessidades e potenciais de seus territórios valorizados.
O processo de descentralização é uma importante estratégia de democracia, pois ao redistribuir o poder da união, para estados e municípios, as decisões políticas ficam mais adequadas às realidades sociais e necessidades das comunidades locais. E as comunidades podem expressar suas demandas, participar das decisões e da execução das ações.