Este artigo é o primeiro de uma série que versará também sobre as concepções que sustentam o trabalho da Terapia Comunitária, bem como o relato da minha experiência como terapeuta comunitária há 6 anos e, há 4 anos, como supervisora/intervisora de outros colegas terapeutas na zona leste da cidade de São Paulo.
Foi difícil para mim definir o rumo inicial desta série de trabalhos sobre a Terapia Comunitária, já que imersa nessa prática durante esses anos, tive acesso a inúmeras histórias de vida e a rica diversidade humana, heranças culturais, emoções e sentimentos, sonhos... fiquei encantada pela infinita força de transformação de cada pessoa, potencializada pelo trabalho em grupos comunitários. Nesse processo aconteceram mudanças também em mim, já que ao participar dos grupos fui contagiada pelo trabalho realizado e aprendi a ser mais autentica e a respeitar as minhas próprias dificuldades e a dos outros, bem como aplaudir cada passo, mesmo que pequenino, de superação.
A Terapia Comunitária nasceu na década de 90 no Brasil. Foi criada pelo Prof. Dr. Adalberto de Paula Barreto: nordestino, habituado com as pessoas humildes com quem convivia em Canindé, cidade das romarias, viveu imerso "num mundo mágico-religioso, marcado por uma maneira de viver que se caracterizava pela cura dos doentes e dos infelizes". *
Este universo vivencial entrou em conflito quando Adalberto Barreto iniciou o seu curso de Medicina, pois os estudos científicos desvalorizavam as crenças populares:
"(...) Progressivamente, eu percebia que o novo mundo acadêmico exigia de mim renúncia às minhas crenças anteriores".*
Mesmo com estas questões Adalberto Barreto continuou seus estudos na mais alta escala do pensamento crítico europeu, sem nunca esquecer de suas origens: é formado em Teologia em Roma e doutor em Antropologia e Psiquiatria pela França. Segundo ele:
Os anos de estudos trouxeram muitos elementos que me proporcionaram uma maior clareza sobre o meu dilema inicial. Aos poucos eu descobri que todos os estereótipos relativos à cultura popular eram expressões de uma ideologia dominadora e/ou colonizadora, que, para manter sua hegemonia, precisava destruir os outros. Descobri que ser diferente é um direito, um valor e, jamais, a expressão de subdesenvolvimento de um povo. (...) Descobri, também, que o grande desafio do homem da ciência é o de aproveitar o calor gerado pelo choque das percepções.*
Foi nesta busca de diálogo entre a sabedoria popular e os conhecimentos científicos - pensamento sistêmico, teoria da comunicação, Antropologia Cultural, Pedagogia de Paulo Freire, Psicanálise, dentre outros que nasceu a Terapia Comunitária como instrumento de trabalho capaz de construir redes sociais de promoção de saúde.
A Terapia Comunitária constitui-se numa roda de partilha de experiências e sabedoria, na qual o acolhimento e o respeito ao outro é fundamental. Nesse processo todos são co-responsáveis na busca de soluções para sofrimentos e problemas do cotidiano. Todos os comentários são relevantes e incluídos no grupo.
Há fortalecimento dos vínculos sociais e os conflitos são redimensionados. Os preconceitos e estereótipos são quebrados. Há a reconquista de espaços comunitários saudáveis, onde são encontrados valorização, aconchego e confiança. Há troca de vivências e sentimentos, como também a partilha de canções, provérbios, poesias, lendas; tudo é material que enriquece os grupos de trabalho e faz de cada um deles uma experiência única e marcante.
As rodas de Terapia Comunitária podem acontecer em associações de bairro, escolas, postos de saúde, empresas, etc, onde existirem pessoas abertas para vivenciar uma experiência integradora e humana.
Desta forma, conclui Adalberto Barreto:
"Assim como cada etapa da história do universo é marcada pela invenção do homem de criar uma nova forma, de lutar contra o esfriamento devido a sua expansão, a Terapia Comunitária se propõe ser um instrumento de aquecimento e fortalecimento das relações humanas, na construção de redes de apoio social, em um mundo cada vez mais individualista, privatizado e conflitivo".*
Há diversas rodas de Terapia Comunitária na cidade de São Paulo, no Brasil e em alguns países da Europa. Vale a pena conhecer! Só vivenciando para saber o significado dessa experiência.