Haruki Murakami: a literatura que mergulha nos dramas psicológicos humanos

Esquerda: Haruki Murakami, Direita: Capas de seus livros redesenhados pelo designer e ilustrador Noma Bar
Esquerda: Haruki Murakami, Direita: Capas de seus livros redesenhados pelo designer e ilustrador Noma Bar

Recentemente tive pela primeira vez contato com os livros de autoria do escritor japonês Haruki Murakami e o que encontrei foi fascinante e vou dividir neste texto com você!

O primeiro contato com a literatura de Haruki Murakami, escritor e tradutor japonês contemporâneo, ocorreu através de uma publicação inédita, no Brasil, que recebi por meio de um Clube de Leitura. O livro tem como título "Sul da fronteira, oeste do Sol", e foi amor à primeira vista! Leitura fácil, mas profunda e inovadora. "Devorei" o livro em poucos dias. Na mesma semana obtive o segundo título: "Kafka à beira mar". Este mais robusto e intenso, com o mesmo processo de leitura. Até que adquiri o terceiro livro, com dois volumes, chamado "O Assassinato do Comendador". A cada livro que li, gostei ainda mais do escritor e fui reconhecendo sua escrita, seu estilo de narrativa e seus temas, que de alguma forma se assemelham nos três livros, embora os enredos sejam completamente diferentes.

Sou psicóloga e conhecer o universo único e interior de cada pessoa faz parte do meu trabalho e dos meus estudos. O que encontrei em Murakami foi justamente a capacidade de expressar, por meio das histórias e do relato em primeira pessoa, a profundidade e complexidade dos fios que tecem o tecido da vida e que nos faz ser quem somos. Algo difícil de descrever e de escrever!

As relações significativas com pessoas no passado e acontecimentos marcantes vão formando a percepção da realidade, que não é tão objetiva como acreditamos que seja. Estamos no presente, mas nossas decisões têm o passado como referência e fazem projeções de futuro. Talvez o tempo não seja tão linear assim.

A vida é vista a partir do nosso mundo interno e de nossas experiências. É desta forma que interpretamos os acontecimentos "objetivos". E os acontecimentos externos e vivências modificam a nós mesmos. Tanto em que há momentos em que esse encontro entre nosso mundo interno e externo cria um novo espaço permeado por ambos: o espaço transicional.

Esta teoria foi criada pelo psicanalista inglês Donald W. Winnicott. O conceito de espaço transicional demarca esse espaço intermediário entre os mundos internos e externos. Este espaço é construído desde que nascemos nas nossas primeiras relações. Este espaço também é denominado por Winnicotti como Espaço Potencial, pois é a área em que se desenvolve a criatividade e a produção artística e cultural, enraizadas nas brincadeiras infantis. A criação das artes, músicas e conhecimentos são expressões originais de nós mesmos.

Murakami traz muito para os seus textos referências de músicas clássicas, jazz, pinturas artísticas, sempre em diálogo com as vivências e emoções dos personagens. Inclusive há canções e quadros que são referência durante toda a narrativa de seus livros. Nós acabamos conhecendo essas obras através do olhar dos personagens e temos acesso aos seus pensamentos, emoções e sentimentos de forma íntima, como se estivéssemos dentro deles. Participamos de suas vivências do cotidiano e de suas rotinas como o sono, alimentação e outros hábitos.

A fluidez das emoções, difíceis de serem nomeadas, pode ser encontrada nos estados da água. Nas obras que li de Murakami sempre há referência à água como neve, as águas calmas de um rio correndo para o mar, ou um rio com água agitadas e com correnteza, a chuva ou a sua ausência no deserto.

Em muitos momentos em que eu, como leitora, fiquei na dúvida se o relato era real ou uma fantasia do personagem, o próprio protagonista fica procurando provas concretas e pistas sobre a veracidade dos acontecimentos, como a permanência de objetos (como um cigarro apagado no cinzeiro) ou a mudança da posição de um móvel, buscando pistas de que determinados acontecimentos foram reais. Porém nem ele mesmo, nem a mim como leitora, é possível ter certeza. É muito tênue a linha entre o real e o imaginário.

A abstração ou "IDEA" fazem parte do enredo e às vezes aparecem como seres independentes do personagem, embora se relacionem com ele.

Por fim recomendo as obras de Murakami para quem deseja olhar a si mesmo, para as relações com o outro e com o mundo sob nova perspectiva, inserindo originalidade, abstração e acontecimentos ilógicos à nossa realidade cotidiana.

Autor(a)

Salete Monteiro Amador

Psicóloga formada pela PUC/SP, Pós graduada em Saúde Coletiva pela FUNDAP. É Terapeuta e Supervisora de Terapia Comunitária. Editora do Site Ser Melhor e Assessora Técnica em Saúde Pública.

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