A imaginação permite antever coisas que ainda não chegaram. Isso parece óbvio mas conforme nos detemos a pensar no assunto as coisas passam a não ser tão obvias assim pois pensar no futuro envolve, necessariamente, analisar o presente e o passado e como a sociedade evoluiu. O escritor Julio Verne, por exemplo, imaginou um submarino, um helicóptero, o cinema falado e um foguete espacial, tudo isso no século XIX porém a forma como ele os descreve não deixa de estar intimamente ligado com a própria época em que viveu, com as descobertas tecnológicas e científicas a que tinha conhecimento e a própria sociedade.
A ficção científica pode ser vista, por exemplo, do ponto de vista do entretenimento mas existem outros aspectos muito mais profundos e são estes aspectos que gostaria de ressaltar, aspectos que vão do repensar a função do homem no universo, questionamentos sobre a influência da tecnologias na vida das pessoas, questões éticas, desafios para a humanidade, filosofia, estética e etc.
Da literatura para as telas do cinema ou da televisão, além dos conceitos imaginados pelo escritor ou roteirista, temos ainda o desafio de criar imagens e sons que possam convencer o espectador, ou no mínimo colocá-lo frente a uma nova perspectiva, a novos conceitos, envolvê-lo na trama. É aí que está o desafio do cinema na ficção científica como arte visual e sonora.
Imaginar o futuro estando em um determinado ponto do presente é sempre um desafio, especialmente para o cinema já que podemos ver as influências do presente, do agora, em que a obra é realizada. Para entender isso basta assistir a um filme dos anos 30 e um dos anos 90. Mesmo falando de futuros próximos serão nítidas as diferenças estéticas e conceituais (mobiliário, roupas, penteados, músicas etc.), coisas que poderiam passar despercebido em um livro mas que forçosamente aparecem nas telas. Porém a ideia não é criticar o que está certo ou errado, o que previu mais acertadamente ou não o que virá mas sim perceber como as gerações influenciam na maneira como imaginamos o futuro. Por este ponto de vista o cinema de ficção científica passa para um outro patamar que é a compreensão da própria sociedade e de como ela se enxerga de maneiras diferentes com o passar do tempo.
O cinema de ficção científica também é uma forma de observar os temas importantes para a sociedade numa determinada época e a busca por uma solução ou pelo menos uma tentativa de prepara-se para o que poderá vir. A tecnologia, os robôs, a inteligencia artificial roubarão nossos empregos? A engenharia genética e o controle social criarão massas de escravos? O ser humano perderá sua função?
Sendo assim listei 14 clássicos para pensar e repensar o passado, o presente e o futuro, seja esteticamente, seja conceitualmente e como ambos aumentaram, mantiveram ou diminuíram sua relevância. A lista foi baseada na mostra "O cinema vê o futuro" realizada em 2006 no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo.
1984
Inglaterra/1984/113 min/Cor/
Direção e Roteiro: Michael Radford (baseado no livro de George Orwell, 1984)
Num futuro distópico o Grande Irmão tem câmeras instaladas em todas as casas e controla a vida dos cidadãos membros do partido que comanda o regime. Um homem que trabalha no ministério da verdade, cuja função é alterar os registros históricos, se apaixona e tenta obter um pouco de privacidade. A consequência disso é uma luta desigual contra o autoritarismo.
O filme, e o livro, são absolutamente atuais já que o contexto em que vivemos de Internet, redes sociais e vigilância eletrônica através de drones e câmeras de segurança em todos os lugares. Toda essa estrutura sequestra a liberdade das pessoas dando às instituições do estado a possibilidade da vigilância de seus cidadãos com a desculpa da segurança.
Alphaville
França, Itália/1965/99 min/Preto e Branco
Direção e Roteiro: Jean-Luc Godard
Um agente secreto é enviado para investigar o poder de um super-computador na cidade futurista de Alphaville, onde os habitantes são controlados, poetas são proibidos e externar emoções pode ser punido com a morte. Um clássico complexo e repleto de metáforas.
THX 1138
EUA/1971/86 min/Cor
Direção: George Lucas
Numa sociedade futurista, as relações entre homens e mulheres são proibidas e rigorosamente controladas por medicamentos. Mas um casal para de tomar tais remédios, se apaixona, e passa a ser visto como uma ameaça à sociedade.
Metrópolis
Alemanha/1927/96 min/Preto e Branco
Direção: Fritz Lang
O herdeiro de um poderoso industrial apaixona-se por uma operária, mas um cientista planeja transformá-la em um androide para incitar a classe trabalhadora à rebelião. A classe oprimida vive em cidades nos subsolos, um análogo às periferias atuais.
O visual e os efeitos do filme foram revolucionários para a época e inspirou o visual de filmes como Blade Runner.
Delicatessen
França/1991/99 min/Cor
Direção: Marc Caro, Jean-Pierre Jeunet
Comédia ambientada num futuro pós-apocalíptico. Moradores de um estranho prédio utilizam carne do açougue que fica no andar térreo. Mas essa carne pode ter procedência estranha. Surrealismo e humor negro são os destaques de um dos filmes mais originais do gênero.
Blade Runner
EUA/1982/117 min/Cor
Direção: Ridley Scott (baseado no livro de Philip K. Dick)
Ambientado numa Los Angeles futurista é a história de Rick Deckard, um caçador de replicantes - humanos criados a partir de engenharia genética para servirem como escravos em colônias fora da terra mas com tempo de vida reduzido.
Alguns destes replicantes fogem de uma destas colônias e chegam a terra, onde é proibida a presença dos mesmos, com o objetivo de procurar seu criador, Eldon Tyrell, dono da empresa que os criou. Deckard é selecionado para caçar e 'aposentar' (matar) os replicantes fugitivos.
Um filme considerado noir mas ambientado no futuro e que traz a discussão da segregação racial
The day after
EUA/1983/126 min/Cor
Direção: Nicholas Meyer
Lançado no auge da corrida armamentista, quando os Estados Unidos e a antiga União Soviética disputavam a supremacia na quantidade de armas atômicas, o filme é ambientado num futuro distópico mas possível, o futuro da humanidade na luta para sobreviver e se reagrupar depois da catástrofe de uma guerra nuclear.
Things to come
Inglaterra/1936/100 min/Preto e Branco
Direção: William Cameron Menzies (Roteiro baseado na obra de H.G. Wells)
Feito em 1936, narra a história de uma guerra que ocorre no futuro próximo, em 1940, e se estende até 2036, quando os soldados que nasceram depois do início do conflito nem sabem porque a guerra começou. Em meio a um mundo abalado pela primeira guerra o diretor William Menzies faz um filme pacifista.
Robocop
EUA/1987/102 min/Cor
Direção: Paul Verhoeven
Num futuro próximo, onde as forças policiais da cidade de Detroit são privatizadas, uma experiência com um policial gravemente ferido e quase morto o transforma em um ciborgue programado para combater o crime. Porém o policial-ciborgue passa a ser atormentado por fragmentos de memória e resolve investigar quem realmente era.
O filme, preâmbulo de uma série para TV, é uma releitura da história de Frankenstein na era da globalização e do consumo em massa.
Jornada nas estrelas - The Man Trap / Charlie X
EUA/1966/47 min cada episódio/Cor
Direção: Marc Daniels
A série revolucionaria criou, em plena guerra fria, uma astronave tripulada por membros de diversos países, inclusive Estados Unidos e União Soviética e que tinha por missão explorar novos mundos de maneira pacífica.
O design visual da série é inovador mesmo para os dias atuais.
Fahrenheit 451
Inglaterra/1966/112 min/Cor
Direção: François Truffaut
Num futuro próximo os livros são proibidos e a função dos bombeiros, ao invés de apagar incêndios, é de localizar e queimar todos os que restam. Mas um bombeiro secretamente pega um destes livros que seriam queimados para ler e se apaixona pela literatura.
Um filme libertário e que possui influência nos fatos que ocorreriam dois anos de pois, o movimento de 1968 nas ruas de Paris.
Gattaca
EUA/1997/101 min/Cor
Direção: Andrew Niccol
Numa sociedade elitista em que só homens geneticamente puros podem ter ascensão social, um homem comum sonha em ser astronauta. Para tanto cria um intricado plano para driblar o rígido controle e atingir seu objetivo.
O quinto elemento
França/1997/126 min/Cor
Direção: Luc Besson
No século 23 um motorista de táxi de Nova York precisa encontrar e proteger o ultimo elemento de uma combinação que, se reunida, pode salvar Terra de um ser de outra galáxia.
O filme mistura drama e comédia mas o grande atrativo é seu visual.
Solaris
URSS/1972/165 min/Cor
Direção: Andrei Tarkovsky (Baseado na obra de Stanislaw Lem)
Um dos filmes mais aclamados de Tarkovsky e seguramente o mais complexo. Estranhos fenômenos sobrenaturais acontecem na estação espacial que orbita a planeta Solaris. Apesar de se ambientar no espaço o filme pode ser visto como uma viagem ao interior da mente humana.
Uma versão americana foi lançada em 2002 por Steven Soderbergh